março 08, 2016

Nasci livre - é verdade. Ou melhor: nasci com asas. Nem sempre soube voar e por muito tempo não quis. De meus irmãos, fui a última a sair do ninho para enfrentar o famoso "mundo lá fora". Ainda assim, não vou cair em idealizações: a vida lá era cheia de um bege enjoativo e por vezes o vento levava grande parte de seu aconchego. A verdade é que tinha medo, assim como minha mãe. Coitadinha - nunca aprendeu outra existência que não a de "mãe". E é por isso que se agarrava a seu último filho como à própria existência.
Mas os ventos sempre sopram em muitas direções e naquela noite eles sopraram. Me levaram para Longe, um lugar instável e isolado onde, de inicio, só conseguia cair em desespero. Os gritos de minha mãe, ao longe, implorando para que eu voltasse, já não podiam ser atendidos. No último instante, quando o galho que me sustentava estava prestes  se romper eu voei.
Dores imensas e prazeres imensos se seguiram. Sem dúvida, valeu cada pena perdida na queda. Passei semanas com beija-flores, meses com sabiás. Eram pássaros de todas as cores. Enquanto as araras eram graciosas, os papagaios me davam nos nervos. E, ah, a grande ironia: toda essa experiência sempre me levava ao pinguim.
Após me tornar próxima o suficiente, acredito ter uma revelação de utilidade pública: não é verdade que ele não sabe voar, a verdade é que não quer. Talvez nem ele próprio saiba disso, mas tudo aquilo que vemos em cima da terra ele vê de forma infinitamente mais bela debaixo d'água. Não precisa voar porque já sabe nadar. De todos, o único que me fez querer ficar. Não fiquei.
De tempos em tempos, uma corrente de ar desestabiliza o meu caminho e me oferece - quase que obriga - uma nova viagem. Tenho uma confissão: já estou cansada de viajar. Sinto-me como que numa eterna espera do Perto, um lugar para descansar. Talvez como aqueles domesticados que, desconhecendo a vida fora da gaiola, acreditam ser só aquilo. Ouvir dizer que ganham comida sem precisar se mover e, se forem dóceis o suficiente, até cafuné!
Muitas vezes, quando o sol está a pino numa linda praia deserta onde posso desfrutar de pequenos mergulhos, sinto falta do frio para me obrigar a procurar abrigo nas nadadeiras do pinguim - hoje devidamente ocupadas por alguém de sua espécie. Se pudesse, trocaria minhas asas por nadadeiras sem pensar duas vezes. Mas os ventos sempre sopram e eu não sei nadar.
Penso que talvez aquele papagaio irritante e burro, após tanto distorcer o que ouviu, finalmente tenha dito algo certo: quem nunca aprendeu a não voar, não aprendeu a voar de verdade - é só escravo do vento.
 
Escrito por Paula Bianchini, primeiro texto dela no blog

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